sexta-feira, 26 de março de 2010

A Bahia e o desmonte da Chesf



O governador baiano esteve em Paulo Afonso no dia 23 de março, 24 horas após a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco ter sido rebaixada à condição de acessório da Eletrobrás. A visita de Jaques Wagner, com sua comitiva, teve por objetivo inaugurar 84 vagas no Presídio Regional (64 para homens e 20 para mulheres) e entregar 15 viaturas para as Polícias Civil (5) e Militar (10). Mas o que despertou curiosidade foi a expectativa em torno do que ouviria da maior autoridade do estado e dos seus acompanhantes, a respeito da mudança de status da maior empresa do Nordeste.
Segundo o editor de Economia do Jornal do Commercio, Saulo Moreira, ela foi “transformada numa espécie de escritório, um apêndice da Eletrobrás, sua controladora” e as “decisões estratégicas para o Nordeste não mais serão tomadas pela Chesf na sede do Recife e sim pelos técnicos da Eletrobrás no Rio de Janeiro”.
No artigo, intitulado “Eles concordaram ou apenas se omitiram?”, já uma pergunta, o jornalista pernambucano formula outra: “ Terão eles (os técnicos da Eletrobrás) a mesma preocupação com o Nordeste?” Eis aí duas interrogações centrais para respostas indicativas do que ainda se pode fazer para preservar a Companhia, sempre uma formuladora de projetos de desenvolvimento para o Nordeste, a exemplo do Protocolo de Cooperação BNB-Chesf para ações em 29 municípios localizados entre as usinas de Itaparica, Paulo Afonso e Xingó, no Submédio e Baixo São Francisco, espaço disponível para a Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento com pólos na Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, a ser criada por Lei Complementar.
O silêncio da caravana Wagner em Paulo Afonso foi de concordância (quem cala consente) ou de simples omissão? Quanto à segunda pergunta, rezemos a São Francisco para que ela nem precise ser feita. Quanto ao silêncio baiano, a explicação não pode tardar e terá peso na campanha eleitoral. E é de esperar-se o barulho concertado da resistência extrapartidária.
O difícil de entender é a reação do governador de Pernambuco e presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro. Foi ele quem indicou Dilton da Conti para presidir a empresa e dois dos seus cinco diretores, ficando duas outras diretorias para o Partido dos Trabalhadores. Eduardo Campos disse que ainda vai “se inteirar do assunto”.
Para tanto, pedirá audiência com o ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, a fim de que “os governadores do Nordeste tomem conhecimento do que está ocorrendo” Ocorrendo pelo menos desde 2008, quando o presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, começou a apresentar aos funcionários da Chesf o chamado “Plano de Transformação”, por meio de teleconferência, também transmitida às unidades regionais da estatal. Muniz Lopes, ao tomar posse, chegou a anunciar que iria fazer, como presidente da Eletrobrás, o que não conseguiu como presidente da Chesf: investir na região os lucros da Companhia.
Após o puxão de orelha inicial que o fez, de novo, deixar o dito pelo não dito, abraçou o processo de desmantelamento da Chesf, agora condenada ao repasse de todos os novos empreendimentos como um ativo para o patrimônio da Eletrobrás. E sem a sua marca, após 62 anos de existência, passando a sobrenome da Eletrobrás de quem se tornará capataz, por exemplo, na Nicarágua. Há quem já se preocupe com o destino do BNB, em seguida a uma Sudene de faz-de-conta recriada apenas no papel, e com outros sinais visíveis no pouco caso com o reassentamento de Itaparica e o Instituto Xingó, este criado para ser a matriz tecnológica do Sertão.
O governador Jaques Wagner, invocando a Cartilha de Lula, declarou, em Paulo Afonso, que “não é preciso ler jornal” para conhecer a realidade. Nem por isso - bem pelo contrário - a imprensa deve abrir mão do seu dever de mostrar o que está se passando com a Chesf e os riscos de o Nordeste Semi-Árido se tornar um deserto institucional, refém do discricionarismo e do assistencialismo sem porta de saída, ambos com a marca do autoritarismo, esta sim e não a da Chesf, a marca que deve ser substituída por outra compatível com os valores da democracia.

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