quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Alô, Alô, Prefeitos do Sertão Baiano
O voto e as eleições são os dois últimos achados da democracia representativa. Mas temos de chegar à democracia participativa, sem esquecer, na caminhada, a necessidade de aperfeiçoamento do processo eleitoral. É preciso tirar o cabresto da cabeça do eleitor, hoje preso aos arreios do assistencialismo aperfeiçoado pelo bolsa família, em plena fase do coronelismo federal.
Ás vésperas do encontro da Associação dos Prefeitos do Sertão Baiano, marcado para o dia 6, em Santa Brígida, é oportuno chamar a atenção do visitante deste blog para o texto Democracia sempre, resenha do livro Nós, Cidadãos, de Maria Conceição D’Incao e Gerard Roy, a seguir postado.
Democracia sempre
Clementino Heitor de Carvalho
Senado Romano
O poder da idéia democrática, de penetração universal, algo portanto intrínseco à natureza humana, depende, como tudo o mais, de hábitos e treinamentos, para uma prática real da democracia, que faça parte do cotidiano das pessoas e das comunidades. Mesmo porque a vida, individual ou coletiva, é a soma quantitativa e qualitativa dos cotidianos.
O mérito de Nós, Cidadãos está precisamente no seu potencial de “aprendizado do exercício da liberdade”. O livro escrito por Maria Conceição D’Incao e Gérard Roy é o resultado de uma experiência de campo, ao longo de três anos, junto a 39 famílias rurais pobres, que conseguiram, em luta conjunta, o acesso à terra em assentamento de reforma agrária no interior paulista. No roteiro amplo que abre para a formação da cidadania, ultrapassa os limites de uma pequena propriedade rural para apontar no sentido da própria “transição” do Brasil, a ser operada não pela “intervenção alienante”, mas pela “intervenção libertadora”, tal como foi feita pela dupla de sociólogos, num esforço inovador que “ressalta a importância do desenvolvimento de relações democráticas, ou de igualdade”, entre as pessoas de autonomia despertada.
Um laço social particular
O valor prático da democracia, como utilidade para a vida do cidadão comum ou do grupo nacional, e não simples tema para discursos, sobressai didaticamente graças ao método dos pesquisadores de demonstrar aos assentados que os problemas enfrentados pela sua associação, principalmente no parque de máquinas, decorriam das tomadas de decisões não compartilhadas, na mão única dos dirigentes, reproduzindo as relações de dominação que viveram quando tinham “patrão“.
Além de mostrar, como indica o prefaciador Christian Geffray, que “a democracia não é uma simples disposição jurídica e constitucional e sim, essencialmente, um laço social particular”, o texto sugere algumas indagações sobre quais forças sociais, no Brasil, poderão operar a “mediação” que incorpore os excluídos na cidadania.
As mediações
E, num contexto mais específico, há que se destacar a importância de Nós, Cidadãos como contribuição para as mediações de pesquisadores e outros agentes envolvidos em trabalhos voltados para o desenvolvimento de comunidades. E aqui vale referir o que se passa, sobretudo nos pequenos municípios brasileiros, sob regime autocrático, onde o príncipe é o prefeito todo-poderoso, usando a prefeitura como sua fazenda particular, diante de câmaras sem espinha dorsal, sócias nos assaltos ao dinheiro público. Isso no vazio da vida municipal, onde o “fenômeno mais saliente” continua tal como retratado por Tobias Barreto, no seu Discurso em Mangas de Camisa – “a falta de coesão social, o desagregamento dos indivíduos, alguma coisa que os reduz ao estado de isolamento absoluto”.
Esta realidade, percebida genialmente por Tobias, já em 1877, perdura até hoje, constituindo obstáculo basilar ao exercício da democracia. Mas é o próprio pensador sergipano quem condena os que “julgam o povo ainda não maduro para a liberdade”, contestando: “Como se fosse possível aprender a nadar sem meter-se dentro d’água ou aprender a equitação sem montar a cavalo”. Daí o significado de um texto como Nós, Cidadãos, em que os seus autores se propõem a contribuir “para fazer avançar uma democracia de progresso no Brasil”.
O aprendizado democrático
Por coincidência, Nós, Cidadãos, uma lição para o aprendizado democrático, aparece no Brasil simultaneamente com O Fim da Democracia, um ensaio de Jean-Marie Guéhenno, definido como “um ensaio profundo e visionário sobre o próximo milênio”, quando, segundo o autor, a idade dos Estados-nação será substituída pela idade imperial, ou de um império sem imperador. Quer dizer, se essa previsão concretizar-se, no Nordeste rural e até no País como um todo a democracia chegaria ao fim antes de começar.
De qualquer sorte, daqui até lá, muita água vai rolar por debaixo da ponte. Nós, Cidadãos relata toda a estratégia dos pesquisadores para fazer “irromper a lei democrática” nas relações entre todos os membros da comunidade trabalhada. Oxalá sirva de estímulo para o esforço nacional de transição efetiva para o regime democrático, num ideal que começou com os gregos e se ampliou no republicanismo romano, prosseguindo como anseio da humanidade, a espaços adormecido, mas sempre renascendo (Salvador, 17 de Junho de 1995 - A TARDE Cultural)
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