segunda-feira, 17 de março de 2008

Os lucros da Chesf e o Nordeste

Machado de Assis lembrou, numa de suas crônicas, provérbio europeu segundo qual “os italianos governam-se pelo passado, os espanhóis pelo presente e os franceses pelo que há de vir”. Reconhecendo que “Espanha é toda a península”, admitiu: “A nossa gente (brasileira), que dali veio, governa-se pelo presente, tem o porvir em pouco e o passado em nada ou quase nada”.

Sem desprezar o que se passou, justificativa do evento, muito menos o que está se passando, nosso território da esperança, imitemos os franceses na sua propensão para preocupar-se com o que se há de passar, neste 2008 em que o Nordeste comemora os 60 anos da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco. No seu passado cheio de realizações e no seu presente com o desenho das possibilidades que devem ser construídas.

Mas sobretudo com a visão do futuro que tiveram seus presidentes mais destacados. Dentre eles, Antônio José Alves de Souza, o primeiro, merecedor de homenagem especial. Não acontecida talvez pelas desproporções que se imporiam em qualquer comparação com a sua personalidade de carioca nordestino, que sonhou como “o objetivo principal” da Chesf, “o desenvolvimento do interior dessa região”.

Uma comparação a que só resistiriam, sem diminuir-se, chesfianos do porte de Apolônio Sales, nordestino por inteiro, corpo e alma da própria Companhia; Amaury Menezes, outro carioca nordestino, enamorado da caatinga, com sua lição de ecologia perinizada no Acampamento de Paulo Afonso; e Marcondes Ferraz, brasileiro universal, empreendedor nato, que continuaria, neste século XXI, tão atualizado como no seu tempo, construindo usinas com a mesma genialidade própria de sua formação identificada com a livre iniciativa.

As idéias de Alves de Souza eram cristalinas como o seu jeito de ser. Reconhecia que “a base econômica inicial no sistema de Paulo Afonso é a faixa litorânea do Nordeste e do Leste do Brasil, onde se acham as capitais dos estados da Paraíba, de Pernambuco, de Alagoas, de Sergipe e da Bahia e cidades importantes”. E destacava: “É a de maior desenvolvimento econômico e social e de maior densidade demográfica da região, portanto, a que poderia justificar economicamente a inversão de capital exigida”.

E aí entrava a advertência que precisa ser repercutida nos 60 anos da Chesf: “Mas o objetivo final, o objetivo principal desse empreendimento deverá ser sempre o desenvolvimento dessa região”. Uma advertência seguida de outra: “Tal desenvolvimento, entretanto, deverá ser cuidadosamente estudado, principalmente pelos poderes públicos que, em conseqüência, deverão tomar as providências de sua alçada que propiciem e fomentem a ação da iniciativa privada”.

Pelos prognósticos de Alves de Souza, “a região próxima a Paulo Afonso poderá ser a sede de importantes indústrias eletroquímicas e eletrometalúrgicas. Após enfatizar a necessidade de criação de “vias de transportes eficientes” ligando o litoral, principalmente os portos, àquela área, o argumento óbvio jamais levado em conta: “A energia em Paulo Afonso e em sua circunvizinhança será de preço muito baixo, visto como não estará incluído neste preço a remuneração do vultoso capital representado por linhas de transmissão extensas e de voltagem elevada”.

É fato notório que a Chesf se fortaleceu institucionalmente com a criação da Sudene, sua parceira natural. Com a Sudene recriada e as adequações exigidas por novas realidades, ela poderá incorporar-se a esse processo de desenvolvimento defendido por Alves de Souza. Ex-presidente da Companhia no governo Sarney, José Antônio Muniz Lopes, agora na presidência da Eletrobrás, continua defendendo que os lucros da Chesf sejam reinvestidos na região, em vez de devolvidos ao Tesouro Nacional.

Como a nova Eletrobrás pretende ser um agente de desenvolvimento regional, o cenário está montado, até em memória de Alves de Souza, para o desenvolvimento das proximidades de Paulo Afonso, com roteiro do carioca nordestino e os recursos oriundos dos lucros da Chesf reinvestidos na Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento do Submédio e Baixo São Francisco, a ser criada por Lei Complementar. Tudo isso para uma comemoração do tamanho da Chesf e dos seus 60 anos com visão de futuro.

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