segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Três mortes que me levam de volta aos anos 50, Sem me afastar da vida, que “é uma graça”

Três mortes direcionaram este meu final de semana para lembranças concentradas nos anos cinqüenta, a ultima das quais já capturando episódio de 1960. Mas igual às outra s duas na mesma inflexão para o passado, sempre inserido no presente, que sempre já carrega o futuro. Confirmação, no meu espaço individual, do tempo tríbio de Gilberto Freyre, que ora vivencio com todos os sentidos, proustianamente.

Jiri Pelikan: morte em Roma, aos 76 anos; 26 de junho de 1999, só agora descoberta por mim, neste 19 de outubro, pela internet.






José Aparecido de Oliveira: morte em Belo Horizonte, aos 78 anos, nesta sexta – feira, às 18 horas.







Déborah Kerr (nascida Jane Kerr Trimmer): morte no Condado de Surrey, Inglaterra, aos 86 anos, em 17 de outubro, só divulgada nesta sexta – feira.






Da luta contra o nazifascismo à UIE; e da UIE à Primavera de Praga e ao Parlamento Europeu




Conheci Jiri Pelikan, em dezembro de 1957, quando presidia a União Internacional dos Estudantes. A sede era Praga, capital da então Tchecoslováquia, aonde cheguei, como convidado da UIE, vindo de Viena, após participar, como observador da União Nacional dos Estudantes (UNE), de reunião preparatória do Festival Mundial da Juventude.

Pelikan presidiu a UIE de 1955 a 1963; de 1963 a 1698, foi diretor da tv tcheca; deputado, no período 1964-1969; depois, exilado político na Itália. Na juventude, lutou na resistência contra o nazifascismo; depois, contra o estalinismo. O roteiro da vida de lutas está em seu livro “L’ultima resistenza”. Nos anos 80, se destaca como europarlamentar socialista. Alem de editor da revista “Listy”, foi conselheiro da presidência tcheca nos anos 1990-1991.

Jiri Pelikan deverá receber homenagens póstumas, em 2009, pelo décimo aniversário de sua morte. A elas procurarei me associar, a partir da minha visão do mundo, hoje, relembrando os diálogos que travamos, eu com 23, ele com 34 anos. Essa diferença de idade talvez tenha facilitado o tom às vezes quase paternal com que me deu conselhos, orientações e a insistência com que instou a permanecer mais tempo entre Europa e Ásia, sugerindo que aceitasse o convite para visitar, pelo menos, a URSS e a China. Depois de passagens por Budapeste, capital da Hungria, e sede da Federação Mundial da Juventude, e Bucareste, capital da Romênia, algumas cidades da Alemanha Oriental (Weimar, Leipzig, Dresden), as duas Berlim (lado ocidental e lado oriental) e Potsdam, e retornos sucessivos a Viena e Praga, mal pude, premido pela saudade do Sertão brasileiro, avistado, pela imaginação, de Serra Negra (nome antigo de Pedro Alexandre), ir até Leiden, na Holanda, sede da Conferencia Internacional dos Estudantes (CIE). E, como não poderia deixar de ser, Paris. Eu, que andava às voltas com Malraux, Camus, Montaigne, Voltaire (e até Romain Roland), no curso interrompido de licenciatura em Letras Neolatinas pela Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, e precisava dar satisfações ao meu caro professor Roberto Alvim Correia.

O programado retorno à Europa não se deu. A missão de observador foi encerrada no Congresso da UNE, em 1958, com relatório sobre as duas vertentes do movimento estudantil, a da UIE, em Praga; a da CIE, em Leiden. E como não voltei, não reencontrei Jiri Pelikan e outros companheiros, separados pelo Atlântico mas unificados por valores comuns auridos no mesmo humanismo.

Ficou uma recordação maior dessa convivência com Pelikan e outros lideres estudantis de diversas regiões do mundo, sem esquecer o pessoal burocrático da UIE, alguns dos quais morreriam na queda de um Tupolev. A recordação que sobrevive, em toda a sua inteireza, é da Festa do Natal de 1957, em montanha decorada de neve, não muito longe de Praga, tendo como anfitriões Pelikan e sua mulher, ambos exímios como esquiadores e, mais exímios ainda, na arte da confraternização. Milhares de quilômetros distante de Serra Negra, donde penso alto neste diário, e onde estavam meu pai e meus três irmãos, embora com saudades, ali me senti em família e pude sentir na prática o que significa humanidade.

José Aparecido e a entrevista com Magalhães Pinto

De José Aparecido, irmão de Modesto, companheiro da UNE, fica o seu teste munho recente de respeito à vida e compromisso com “o ultimo segundo de sobrevivência”, a ser vivido com a intensidade possível. Fica também o episódio convivido em Teófilo Otoni, em 1960, na minha primeira missão jornalística, destacado pelo Jornal da Bahia para cobrir reunião sobre o asfaltamento da BR-101, cortina de fumaça para as primeiras conversas sobre a sucessão de JK, sendo um dos pré-candidatos o então governador da Bahia, Juracy Magalhães. Lá estavam, dentre outros, Bias Fortes, governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, presidente nacional da UDN, e mais Santiago Dantas, Tancredo Neves. Entrevistei a todos eles, com a agilidade dos meus 26 anos, em poucas horas, ficando a conversa com Juracy para a viagem de volta a Salvador, no avião da comitiva oficial.

Foi a entrevista com Magalhães Pinto, de que m ele era assessor, que me aproximou de José Aparecido. Nunca usei gravador. Fazia anotações numa taquigrafia improvisada, código de abreviações que somente eu decifrava. Pressenti que daquela “moita não espirrava coelho”, sob a forma de simpatia para o nome do governador baiano, candidato preferencial do JBa. Isso durante todo o ir e vir das perguntas e respostas, as perguntas querendo tirar do poço de mineirice de Magalhãs Pinto sua posição sobre a pré-candidatura de JM; as respostas disfarçando o que depois foi confirmado: o apoio da UDN a Jânio Quadros, trabalhado por Carlos Lacerda.

Se as minhas anotações já eram um código muito pessoal, aquelas se superaram nas abreviações para colocar no papel as palavras exatas do presidente da UDN. A entrevista se seguiu algumas doses de uísque, servidas pela prima de uma senhora da sociedade local, esposa de alta autoridade, que cismou de achar que eu e sua parenta parecia termos nascido um para o outro. Daí para o namoro adúltero foi um passo, e um passo em ritmo escocês. Fácil de imaginar-se comandava a minha cabeça no momento de entrevistar Magalhães Pinto. Mas confiei no meu “timing” e na minha taquigrafia.

Tinha notado que alguém estava bem atrás de mim durante a entrevista. Mal acabava de agradecer as atenções do entrevistado, surgiu diante de mim José Aparecido. Com muito jeito, me pediu para ler o teor das declarações de Magalhãs Pinto. Decifrei com presteza os garranchos, observando as reações faciais do assessor. E vi que elas iam se desanuviando, até o sorriso de satisfação e o abraço de agradecimento e parabéns. Aproveitei para me apresentar como amigo do seu irmão Modesto, eu e ele ex-diretores da UNE, e nos despedimos. Para sempre. Porque os nossos caminhos jamais voltaram a se cruzar.

O beijo adúltero na praia.
Porque a vida é assim. A namorada adúltera se fez miragem, relembrada agora, com a morte de Deborah Kerr, no rosto de beleza sofrida “como o de Nossa Senhora”. Transfigurado pelo beijo adúltero na praia, em cena com Burt Lancaster, do filme “A Um Passo da Eternidade” (1953).

Vejam o simbolismo do final desse registro de três mortes, nesse existir em que estamos todos no cotidiano do finito, passado, presente e futuro, de limites apenas convencionais, porque unificados pelo tempo tríbio. A mesma plataforma, com partes criadas pela nossa inventividade. Sempre a um passo da eternidade, no fluir que não pára da aventura humana.

E aguardem a publicação do livro “A Crônica de Minha Aldeia”, onde isso tudo e muito mais será narrado sem rodeios.

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