
A consolidação do domínio do homem sobre a natureza tropical foi um tema que preocupou o antropólogo-sociólogo Gilberto Freyre, reconhecidamente o criador de uma nova teoria, a lusotropicologia. A esse conceito de lusotropicalismo, o mestre de Apipucos dedicou grande parte de sua vida de homem de pesquisa, buscando dar-lhe a indispensável validade sócioantropológica. Convencido da “condição brasileira de civilização principalmente tropical”, ele se empenhou, de diversas formas, na coordenação de estudos ecológicos e antropológicos, com vistas a uma possível ciência antropoecológica, a Tropicologia. Tudo visando à valorização do homem e da cultura tropical.


Trabalhando na região de Paulo Afonso, estou no cenário ideal para observar, com olhos principalmente de jornalista, o que aqui vem sendo feito de certo e de errado – e o que simplesmente não vem sendo feito – na tentativa, consciente ou inconsciente de se buscar, nos planos individual e coletivo, uma vida produtiva e de bem-estar, no espaço do semi-árido e num tempo, que é arcaico, quase medieval, pré-moderno. Das fazendas de criatório extensivo, com vaqueiros vestidos de gibão, remanescentes do ciclo do couro e do pré-capitalismo; ao complexo hidrelétrico da CHESF, com tecnologias de última geração.
Começo por ressaltar parte do esforço bem-sucedido da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, na sua chamada “fase heróica”, para realizar aquilo que, na prática, corresponde às idéias de Gilberto Freyre. Ecologicamente planejado, tão vizinho e tão diverso da Vila Poty e dos seus desdobramentos urbanos, o Acampamento da CHESF, ou a “Cidade da CHESF”, nascido com o canteiro de obras que são orgulho da engenharia nacional, pode ser visto como uma lição que o Nordeste ainda não aprendeu, sem repercussões visíveis sequer nas povoações mais próximas, embora um referencial para a região, sobretudo quanto ao cuidado com a arborização.
Grande Prefeitura
Mas os que visitam Paulo Afonso não escondem a satisfação e até o deslumbramento com a beleza dos lagos, praças, jardins e de todo o parque que é o Acampamento. Nesta re-visita que fizemos, em companhia dos funcionários da empresa Antônio Galdino da Silva e Pedro Nascimento e de outros jornalistas, tornou-se fácil comprovar que ele dispõe de uma estrutura muitas vezes maior que a de muitos municípios brasileiros, com uma Administração Regional que se assemelha a uma grande prefeitura. Segundo informações de Antônio Galdino, um outro órgão administra “o complexo setor de saúde da CHESF, o Hospital Nair Alves de Souza, responsável pelo atendimento aos moradores de 25 cidades dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, num raio de mais de 200 quilômetros”. Outros órgãos se encarregam da área de recursos humanos e de compras e contratações. Uma das áreas de atividades diversificadas em todo o acampamento cuida dos serviços de transporte, abastecimento de água, coleta de lixo, manutenção de praças, jardins, ruas, logradouros, prédios administrativos, lagos, segurança física, alimentação e hospedagem, bombeiros.
Na gestão Diana Suassuna, a Administração Regional da CHESF (APA) ministrou treinamento a milhares de funcionários. Mas houve um cuidado especial para a preservação da memória, tendo se iniciado a construção do Memorial CHESF e se recuperado o acervo fotográfico com mais de 30 mil fotos e negativos e filmes de 16 e 35mm, desde 1948, quando a hidrelétrica foi instalada.
Recuperação
Não há dúvida, entretanto, que mais importante de tudo foi a recuperação de lagos e sítios históricos como a Ilha do Urubu, o Parque Belvedere e a Usina Angiquinho, situada nas faldas do despenhadeiro, na divisa da Bahia com Alagoas, e construída por Delmiro Gouveia em 1913.
Num sertão que se desertifica, diante da indiferença generalizada pelo meio ambiente, qualquer pessoa se entusiasma diante dos amplos tapetes verdes das praças e jardins do Acampamento da CHESF em Paulo Afonso, das usinas Apolônio Sales e PA-IV, tudo transformado num laboratório de experiências lusotropicais, a completar-se com o Jardim Botânico de plantas nativas em torno do Memorial CHESF, que equivalerá a uma miniatura da caatinga. Nota-se que a preocupação com o verde extrapola os limites do Acampamento com o fornecimento a prefeituras, incluída a de Paulo Afonso, de mais de mil mudas de plantas. Um trabalho a ser ressaltado em região de clima tropical, e que teve no engenheiro Amaury Menezes o impulso pioneiro. Como era de sua intenção, o parque da CHESF, com seus lagos e intensa arborização, criou um verdadeiro micro-clima, bem mais ameno que o da cidade propriamente dita, onde predomina a arborização de quintal e onde as ruas e avenidas,despidas de árvores, são um suplício para o pedestre.
Vendo-se a cidade do alto da barragem da Usina PA-IV constata-se claramente a diferença entre essas duas metades de Paulo Afonso. Uma diferença que não pode perdurar. Ressalte-se uma iniciativa do ex-prefeito Abel Barbosa, que implantou o Horto Florestal do município. O atual prefeito Anilton Bastos, que continua o processo de melhoria urbana, acelerado pelo antecessor Luiz Barbosa de Deus, terá de completá-lo, com esforço concentrado na arborização. E todas as prefeituras da região poderão desenvolver projetos de preservação ambiental, centrados em áreas de espécies vegetais nativas mantidas ou replantadas. Os estímulos necessários a uma iniciativa infelizmente tão fora do comportamento cultural do sertanejo poderiam ser dados através do recém-criado Departamento de Desenvolvimento Florestal, da Secretaria de Agricultura do Estado.
O que é?
No Acampamento da CHESF estão cerca de duas mil casas residenciais, alojamentos e grandes instalações de serviços como unidades educacionais do Colepa (quatro grandes escolas), Centro de Treinamento (17 pavilhões em 4 ha de área verde); hospital; prédios administrativos; dois clubes; estádio de futebol; estação de tratamento d’água; grandes áreas urbanizadas; áreas de vegetação nativa; cinco usinas hidrelétricas que geram quase 5 milhões de quilowatts para todo o Nordeste.
Todas estas edificações ficam praticamente encobertas pela vegetação bem cuidada. Em pleno semi-árido, há trechos de paisagens que fazem lembrar Gramado, no Rio Grande do Sul. E, de quebra, os milhares de turistas que afluem para Paulo Afonso encontram muitas cascatas e, no período das grandes cheias do Rio São Francisco, dezenas de quedas das Cachoeiras Capuxu, Véu das Noivas, Drenos de Areia, Croatá e a majestosa Cachoeira de Paulo Afonso. Pelo menos neste espaço, o homem se acumpliciou com a natureza tropical.
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