sexta-feira, 3 de setembro de 2010
O papel da militância “sem lugar”, hoje
O PROCESSO DO MENSALÃO
Jean Paul Sartre visitou Pernambuco em 1960, a convite dos organizadores do I Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária. Certa noite de agosto, olhando o céu, de janela da casa com vista para Olinda, notou que a lua tinha a forma de um C e ia crescendo da esquerda para a direita. “Engraçado, exclamou. Na Europa, é justo o contrário, a lua é um C invertido que cresce da direita para a esquerda!” Indagado sobre o que significava essa diferença, Sartre, após uma pausa, respondeu com ar pensativo: “Magias da terra”.
Mágico terá de ser quem se aventure a distinguir, no Brasil, esquerda, direita e centro. Mais avisado se mostrará quem seguir a lição de Eduardo Portella, professor emérito de Teoria Literária da UFRJ, que se confessa “um sem lugar militante” tomando posição diante de cada situação que se apresenta. Ele e o crítico Luiz Costa Lima, professor de Literatura da PUC – RJ, a quem coube o relato da visão lunar de Sartre, foram entrevistados pela jornalista Fabiana Freire Pepeu (Caderno C do Jornal do Commercio, 17.8.2010), a propósito dos 50 anos da visita do filósofo que era então o símbolo do intelectual engajado.
O cinqüentenário da presença do autor de “O Ser e o Nada” pode ser aproveitado como estímulo para reflexão sobre as situações que se apresentam agora e exigem tomadas de posição, especialmente por parte dos que têm na palavra seu instrumento de trabalho e de ação. Se os posicionamentos surgirem dos “sem lugar militantes”, melhor ainda. Os consensos se produzirão e transitarão com mais facilidade para seu destino final, as soluções nascidas do diálogo sobre cada situação concreta. É bom lembrar que Sartre, comprometido com as questões do Terceiro Mundo, apesar da sua condição de perquiridor do ser e do nada, foi um ativista empenhado na luta para libertar a Argélia do colonialismo de sua própria pátria e na tentativa de conciliar suas ideias de autodeterminação existencialista com os princípios marxistas. Se, no primeiro caso, foi bem sucedido, neste último não foi, e ainda sofreu o revés do arrependimento pelo apoio dado ao castrismo contaminado pelo stalinismo, este refletido nas punições do governo cubano aos seus opositores.
Hoje, na América Latina, afora a intolerância do regime de Fidel Castro, se configuram pelo menos três desafios a serem enfrentados: o amoralismo boliviano de Evo; o socialismo bolivariano, disfarce da vocação ditatorial de Hugo Chávez; e uma espécie de subperonismo brasileiro ainda por ser decifrado, com Dilma Rousseff, “a mãe do PAC”, reencarnando Evita, e Lula, Perón (dona Marisa fica de fora), criatura e criador moldados no mesmo figurino petista de um autoritarismo sustentado na governabilidade fisiológica surfada pelo PMDB e na popularidade alimentada pelo assistencialismo coronelístico.
Já praticado em escala mundial, de olho comprido na ONU e até no Nobel. E lá, lá bem no alto, acima da lua crescendo para a direita ou para a esquerda, que Deus se cuide, pois tudo indica que tem brasileiro nascido em Caetés, de visual remodelado como o da discípula, querendo tomar o seu lugar. Um esquema mais avassalador, com licença de Lenine, o cantor compositor, do que a ditadura instaurada pelo golpe (ou contragolpe?) de 31 de março de 1964. Vencedores pelas armas que nem precisaram usar, chegaram aos desvarios de 1968 na febre do AI-5.
O amadorismo social democrata, com suas falhas de comando político, escancarou as portas do país de economia estabilizada para os que, reprovados na guerrilha, foram aprovados com louvor na manipulação do poder conquistado pelo voto conferido ao líder operário. A ponto de o percentual de aprovação popular de Lula coincidir com a posição do Brasil, no ranking da corrupção, 80º lugar dentre 180 países perseguidos. Sem esquecer o título de sexto país, dentre 149, mais violento do mundo. Nem o mensalão abalou o governismo servido no prato no negocismo adesista com seus molhos regionais. Nessa gastronomia do atraso, sobressaem, na Bahia, os sabores Wagner e Geddel. Em Pernambuco, há mais variedades, indo de Dudu a Severino, passando por Joaquim Francisco e Inocêncio, com tira gosto de traíra de bico.
Magias da política no país do besteirol. Saudades de Stanislaw Ponte Preta.
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