quinta-feira, 4 de março de 2010
Violência: Do Comintern a Maria Bonita
Por conta dos índices da criminalidade, a ONU reconheceu que há uma epidemia de violência no Brasil. E se for necessário um símbolo para ilustrá-la, nada mais tragicamente expressivo do que a imagem do menino João Hélio, 6 anos, morto, em fevereiro de 2007, ao ser arrastado por sete quilômetros, na Zona Norte do Rio, preso ao cinto de segurança do carro roubado de sua mãe. Este caso é também exemplar nos seus desdobramentos. Um dos quatro assassinos de João Hélio, à época o único menor, chegou a ser solto no dia 10 de fevereiro deste ano, após cumprir 3 anos de internação.
Tirado da intimidade de uma família enlutada do Rio de Janeiro, unidade federativa refém do crime organizado, o episódio faz parte do conjunto de ocorrências indicadoras de que o País se acha em estado de guerra civil. Diante dos assaltos, dos seqüestros, das invasões de propriedades, dos homicídios, das disputas entre quadrilhas, da corrupção generalizada. São crimes cotidianos praticados em todas as modalidades e idênticas impunidades.
Num quadro de tamanha gravidade, o que fazem, ou, pelo menos, o que dizem os governantes? Reproduzo, palavras de Lula, em recente visita a Três Lagoas (MG), para reforçar que a “prioridade” é eleger a mãe do PAC sua sucessora: “Quando a gente vê um jovem de 25 ou 28 anos de idade na cadeia, em vez de culpá-lo, tem de lembrar que ele é resultado de um momento que o País viveu”. Traduzindo: a culpa é do “demotucanato”, modismo escapatório introduzido por glotólogo baiano do PT.
É como se encontrar culpados resolvesse a crise da segurança pública. Se isso fosse solução, heureca!, a violência seria varrida dos morros cariocas, apenas botando a culpa no brizolismo que, pela vereda da parceria com os bicheiros, abriu a estrada larga para o tráfico de drogas.
Vem de bem longe a visão torta de segmentos intelectuais da esquerda, refletida na complacência com o crime. Datemos: em 24 de abril de 1993, instrução transmitida pelo Comintern ao Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro dava a receita para a militância: liderar quadrilhas de bandidos com o objetivo de imprimir a marca da “luta de classes” no embate com a lei. Essa descoberta se deve ao jornalista Willian Waack e baseou-se em documento citado no seu livro “Camaradas. Nos arquivos de Moscou. História Secreta da Revolução Brasileira de 1935”, São Paulo, Companhia das Letras, 1993, pp.55-56.
Esse namoro com o banditismo se deu mais à esquerda, principalmente na sua versão urbana, e nunca se arrefeceu. Não raro virou noivado e deu também casamento. De papel passado, como aconteceu no Nordeste, até que a morte os separasse, entre o bando de Lampião e os coronéis do sertão que ampliaram seus latifúndios, no troca-troca com o cangaço. Isto conforme a versão rural originária da conjugação criminosa construída pela direita, antes mesmo da instrução do Comintern ao PCB, que a levou para o pólo oposto.
A ditadura instaurada em 1964 desmontou, já no governo do marechal Castelo Branco, o coronelismo coiteiro, aparelhado com a pistolagem, sistema substituto da aliança com Lampião e seus cabras, desfeita com a matança dos cangaceiros, em 1938, na Gruta do Angico. À esquerda, o regime militar, sem querer, gerou outro resultado, ao juntar, no presídio da Ilha Grande (Rio), bandidos e militantes acusados de comunistas. Foram estes que prepararam aqueles para o crime, formando os futuros chefes do Comando Vermelho, organização paramilitar que usa as táticas de guerrilhas aprendidas com os presos políticos.
As celebrações pelo centenário de nascimento de Maria Bonita, na linha de um feminismo diferenciado, em sucessivos seminários organizados pela Prefeitura de Paulo Afonso e UNEB, combinam com esses tempos de mulheres, Dilma e Marina, candidatas à Presidência da República, embora uma esteja mais para Che Guevara, e a outra para Gandhi, e podem representar o início de um debate desapaixonado para a leitura correta do banditismo rural e do seu irmão siamês, o coronelismo.
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