quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A Bolsa Ditadura e os Mortos de Canudos

Antônio Conselheiro
2009 decorreu sob o signo do apagão. Desde o propriamente dito, elétrico, aos outros que desligaram as tomadas dos bons costumes no setor público e na sociedade em geral. Isso talvez explique o sucesso do bordão “É a treva”, da personagem Bianca, na novela Caras e Bocas. As caras indignadas dos brasileiros sem bolsas e as bocas que exprimiram, na mesma frase curta, ou em outra similar, no mundo real, idêntica repulsa ao blecaute generalizado que obscureceu o país sacudido pelos escândalos.

Reação com a promessa de respostas cidadãs a partir deste emblemático 2010 e da experiência colhida nos já chamado anos 00, dentro dos valores da democracia. Para completar as transformações, iniciadas no governo Fernando Henrique Cardoso, com esforços redobrados de superação dos desafios berrantes nas áreas de infra-estrutura e investimento, privilegiando a educação, neste caso favorecida a faixa da primeira infância (0 a 3 anos).

Os apagões vêm de longe

Se a gente olhar para além do ano que passou, da década expirante, deste século e do que o antecedeu, descobriremos que os apagões, nas suas diversas modalidade, vêm de muito longe, de quando nem se usava a energia elétrica. Isto no mundo inteiro, dos exemplos do Holocausto, com o extermínio, ordenado por Hitler, de 6 milhões de judeus, na Segunda Guerra Mundial, aos outros milhões de mortos nas três décadas de Stalin no poder. Nivelados na mesma crueldade o nazismo e o comunismo.

No Brasil, em 1897, apagou-se a consciência nacional, no eclipse total do bom senso que custou a vida de 25 mil sertanejos e a destruição total de Canudos, a Belo Monte da oração e do trabalho de Antonio Conselheiro. Um final de tragédia, em 5 de outubro, assim descrito por Euclides da Cunha:

“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a historia, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.”

Para a permanente condenação dos horrores do stalinismo, a Rússia criou o Dia da Lembrança (30 de outubro). Para o episódio tido como “o mais cruel e sangrento” da história de nossa República, é preciso fazer também de 5 de outubro data de reflexão. Até para frustrar a tentativa de apagar os vestígios do genocídio ainda impune, ao destruir-se Canudos, em 1969, há quarenta anos, pela segunda vez, transformado o local em leito do açude de Cocorobó.

E, em memória daquela criança, da resistência compartilhada por um velho e dois homens feitos, símbolo de todas as crianças assassinadas de Canudos, seja implantado, com participação do Exército brasileiro, projeto piloto do Ministério da Educação, para investimento maciço nas crianças de 0 a 3 anos para formar a base educacional e econômica, como defende o Prêmio Nobel de Economia de 2000, James Heckmann, incluído o objetivo de coordenar programas de educação, saúde e assistência social. E assim suprir deficiências familiares, para assegurar que todas as crianças estejam aptas a aprender ao chegar à escola.

Junto com aquela criança sem nome, aquele velho e os dois homens feitos, também sem nome, mas todos a própria memória de Canudos, estarão reverenciados na obra inadiável de perenização do Vaza-Barrís, cujas águas se misturaram ao sangue dos seus mortos. Estes e os vivos merecem a Bolsa da Reparação Tardia de uma pátria madrasta que suprimiu “uma colônia de miseráveis”, mas sem tocar “na miséria que a produziu”, como denunciou Rui Barbosa no discurso que não chegou a proferir: “Aqueles, por quem eu não pude, vivos, requerer o habeas-corpus, isto é, a justiça, obrigam-me, mortos, a impetrá-lo de Deus para minha consciência.”


Rui Barbosa

Afinal, a Bolsa Ditadura, com pensões e indenizações definidas pela Comissão de Anistia, desde 2002, e ultimamente transformada em indústria, já consumiu do Tesouro R$ 2,5 bilhões, cifra em ascensão, a caminho de R$ 4 bilhões. Que a Bolsa Canudos seja o começo de um mea culpa indenizatório e um fiat lux de 2010, livre das trevas de 2009, ainda ajudadas pelas que se formaram em 1897 (Leia no jornal A Tarde).












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