segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Canudos (quem diria?) já esqueceu a monarquia

Canudos (De Clementino Heitor de Carvalho, correspondente de A Tarde, em Paulo Afonso) - Espantalho monárquico no final do século passado, Canudos esqueceu por completo o velho regime, transformando-se num reduto republicano às vésperas do plebiscito de 21 de abril, com esmagadora preferência pelo presidencialismo. Antônio Conselheiro conseguiu transmitir aos seguidores suas convicções monarquistas, na linha condenada pela própria Igreja, do direito divino dois reis, e chegaram a ser apontados como um ameaça à república.
A guerra de Canudos foi ampliada, depois dos primeiros reveses das forças legais, por essa suspeita, que ganhou corpo nos boatos da Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, e na imprensa da época. A fúria patrioteira enxergava no Conselheiro o aliado do conde d’Eu para a empreitada da restauração da monarquia. O monarquismo do fundador do arraial de Canudos nunca foi posto em dúvida, mas vozes autorizadas como a de Ruí Barbosa e César Zama, dentre outras, deixaram sempre bem claro que ele jamais tentou contra o governo da república.
A campanha anti-monarquista tomou conta do país e as tropas mobilizadas terminaram destruindo as cinco mil e duzentas casas do arraial de Canudos, riscado do mapa a 6 de outubro de 1997 com os seus 25 mil habitantes, a maior aglomeração urbana da Bahia depois de Salvador, a capital do estado. Morreram cinco mil soldados. Percorrendo a feira de Canudos, domingo último, não encontramos um só eleitor que se tenha declarado a favor do voto no rei.


Tendência

Comprovamos aberta tendência para o presidencialismo e para a república entre todas as pessoas ouvidas, não importando idade, sexo ou condição social. Excetuados poucos jovens que se manifestaram pelo parlamentarismo republicano. Nem por isso desapareceu a admiração pela figura do Conselheiro, revelada inclusive no momento que criou a Associação de Estudos e Pesquisas Antônio Conselheiro, em 1986. Segundo o Presidente Aroldo Costa dos Santos, a entidade pretende “estudar e pesquisar a verdadeira história de Antonio Conselheiro e de Canudos desde 1893 até os dias de hoje, nos aspectos histórico, político, cultural, sócio-econômico e biológico”. E já estão preparando as comemorações do centenário.


Outro JK?


Chegamos a Canudos pela BR-235, uma estrada em total abandono nos seus 95 km a partir de Jeremoabo, repetindo o que acontece desde Carira, na fronteira sergipana. Duas horas e meia de viajem. O primeiro canudense com quem conversamos foi o agricultor Deusdete Calixto, 83 anos, no meio da feira. Ele confessou logo que nunca tirou titulo de eleitor e disse que não sabe se é vantagem o país ter rei ou presidente. “Eu só sei plantar mandioca, milho e feijão”.
O segundo entrevistado, Edmundo Cerqueira Campos, 71 anos, comerciante, iniciou uma longa série de depoimentos favoráveis ao presidencialismo. “Vou votar no presidente, nada de rei, isto é coisa do passado. Quem sabe não aparece outro JK?”. O pai dele, Genésio Cerqueira Campos (1876-1960), foi guia da coluna Savaget, e lhe contou “muita coisa” sobre a guerra.
Nelson Xavier Soares, 56 anos, aposentado do DNOCS, e trabalhando na prefeitura, chegou aqui em 1959. “Ainda ví os restos de Canudos, antes de desaparecerem com o açude de Cocorobó. As casas antigas, as duas igrejas, as ruínas da antiga e a mais moderna, construída após a guerra, que era um tema mais na ordem do dia. Vou votar no presidencialismo como quase todos os eleitores de Canudos. Ninguém fala em monarquia, a não ser por brincadeira”.

De pai para filho

Custódio Sabino da Costa, 67 anos, comerciante nascido em Canudos, é o que se pode chamar de um conselheirista. Admira o fundador do arraial desaparecido e afirma não ter dúvida de que “o presidencialismo é o melhor para o Brasil”.
José Dias Leite, 24 anos, e o seu pai, João Manoel Leite, 58 anos, ambos agricultores, também se revelaram presidencialistas, e acharam que “a seca vai contribuir para uma grande abstenção no plebliscito”. Da mesma forma que Antonio Vicente Sobrinho, comerciante, 66 anos, mais conhecido pelo apelido, “Pistola”. Morando há anos em Canudos nasceu em Uauá.
Isaltina Vera Cruz, 35 anos, doméstica natural de Canudos, foi a presidencialista mais convicta. Acha que o parlamentarismo seria uma aventura, “num país de legendas de aluguel, sem identidade própria”. Cristina Guimarães, 17 anos, e Janice Dalva dos Santos, 20 anos, ambas integrantes do movimento que criou a Associação Centro de Estudos e Pesquisas Antonio Conselheiro, com sede provisória no bar Flor de Cactus, foram alguns dos jovens que optaram pelo parlamentarismo republicano, uma tendência que deverá representar de 10 a 20% do eleitorado de Canudos. A abstenção esperada é de 50 por cento.

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