segunda-feira, 25 de maio de 2009

Volta a passado recente

Interrompo esse Até Breve com uma volta a passado recente, que, por sua vez, antecede ensaio sobre Paulo Afonso e o Nordeste Seco, combinando comparativo das fases abrangidas pelo meu trabalho jornalístico com a atualidade e as perspectivas de futuro. Tudo com vistas ao livro “A Crônica de Minha Aldeia” (título ainda provisório), meu depoimento definitivo sobre o Nordeste, o Brasil e o Mundo (como Aldeia Global).

A Bahia e a Região de Paulo Afonso



(Texto do depoimento prestado pelo jornalista Clementino Heitor de Carvalho na nona reunião da Associação dos Prefeitos do Sertão Baiano, realizada em Glória no dia 1º de março de 2002.)


O Jornal A TARDE tem uma tradição de identidade com as causas da Bahia, ao longo dos seus 90 anos.
Para dar um bom exemplo, lembro as campanhas sistemáticas contra todas as tentativas de divisão do território baiano, incluída a que propunha a criação do São Francisco.
Foi esta marca de baianidade de sua atuação, como maior jornal do Norte e Nordeste do País, que me fez retornar, após ter sido redator chefe do Diário de Notícias, ao exercício da profissão, voltando até mesmo à condição de repórter e adiando a minha despedida do jornalismo.
Em 1975, quando o Governo Federal, através do Ministério das Minas e Energia, decidiu transferir a sede da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco do Rio de Janeiro para o Nordeste, A TARDE tomou firme posição em favor da transferência para Salvador, com argumentos que levavam em conta vantagens de ordem técnica e de localização. Mas a Chesf terminou sendo transferida para Recife.
Decorridos 27 anos, quando a Chesf, excluída do Programa Nacional de Desestatização, é dividida em três empresas, A TARDE volta a defender os legítimos interesses do Estado, considerando justo o movimento, iniciado no Sertão Baiano, pela localização, em Paulo Afonso, da Companhia de Energia e Desenvolvimento Hídrico do Nordeste, formada pelas usinas do São Francisco – Furnas, Sobradinho, Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso I, II, III e IV; e do Rio Paraíba-Pedras, ficando assim de fora apenas a de Xingó.
Das nove usinas que serão administradas pela nova Chesf, seis estão localizadas em Paulo Afonso ou no seu entorno. Deve ser ainda lembrado que, nesta cidade, está a Administração Regional da Chesf, que tinha a responsabilidade da gestão do Acampamento de Paulo Afonso, recentemente transferido para a Prefeitura Municipal. Daí não se poder concluir senão pela conveniência técnica de a Sudene das Águas ficar sediada em Paulo Afonso. Da mesma forma que parece lógica a Eletrobrás Transmissão do Nordeste, outra empresa nascida da Chesf, permanecer em Recife; e a Chesf Xingó em Aracaju.

Pólo de Influência Regional

Por outro lado, Paulo Afonso é hoje um pólo de crescente influência regional, confirmando previsões da Sudene. Em documento de sua Assessoria Técnica, datado de fevereiro/março de 1966. Destaca-se pela importância logística de sua posição geográfica, na confluência de quatro Estados (Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), porta de entrada para o Nordeste. Com vocação natural para entreposto comercial, tem potencialidade para o turismo e vai se firmando como centro de piscicultura, depois de um período de esvaziamento econômico provocado pelo fim do ciclo de obras de construção das usinas. Tudo isso podendo ser favorecido pelo impacto da presença de uma empresa do porte da nova Chesf, com reflexos positivos para a economia do Sertão Baiano.
Paulo Afonso está de fato a merecer, neste momento decisivo de sua afirmação, uma compensação pelo muito que contribuiu para o desenvolvimento do Nordeste, como sua matriz energética. Vale ressaltar que até a beleza de sua Cachoeira foi sacrificada. A água que a formava, caindo pelas rochas, foi desviada para a geração de energia. Sem esquecer outros desvios, como o da Chesf, em posição contrária à do seu primeiro presidente Antonio José Alves de Souza, sistematicamente inviabilizando empreendimentos industriais que iriam aumentar a demanda da mão-de-obra monopolizada, ao longo dos anos, pela empresa da qual nasce a Companhia de Energia e Desenvolvimento Hídrico do Nordeste, com a tarefa intrínseca de reparar injustiças com Paulo Afonso e região.

Xingó e Itaparica

No começo dos anos 80, quando comecei a trabalhar em Paulo Afonso como correspondente de A TARDE, a primeira série de reportagens que fiz foi sobre a necessidade de retomada das obras de construção da Usina de Xingó e de conclusão da usina de Itaparica, sempre ressaltando a advertência, corroborada pelos que estavam por dentro dos desafios do setor elétrico, de que o racionamento de energia à vista poderia ser mais cruel que o de 1987.
Isto em 1990. Abril de 1990. Em 1994, no editorial de A TARDE, edição de 23 de dezembro, com o título “Xingó”, o registro de uma vitória do jornal, um registro para a história:
Quando o ex-presidente Fernando Collor tomou posse, as obras da Hidrelétrica de Xingó, na fronteira de Alagoas e Sergipe, estavam paralisadas. Naquela ocasião, tivemos oportunidade de comentar neste espaço a paralisação da obra, alertando o novo presidente para a necessidade de sua retomada imediata, a fim de evitar um colapso futuro no fornecimento de eletricidade para o Nordeste, com reflexo em regiões vizinhas.
No dia seguinte, após receber do seu secretário de Imprensa um exemplar de A TARDE, Collor determinou o reinício das obras de Xingó, cuja primeira unidade foi ontem inaugurada pelo presidente Itamar Franco.
Não foi a primeira vez que este jornal e outros veículos de imprensa se destacaram pela defesa dos interesses maiores da região nordestina e da Bahia. Também a Barragem das Pedras, em Jequié, estava com suas obras interrompidas e só foram concluídas após uma campanha desenvolvida pela A TARDE”.

As secas

O problema das secas periódicas, uma cada vez mais perto da outra, todas paralisando a economia desta região, venho acompanhando desde 1959, quando repórter do Jornal da Bahia. Já se vão 43 anos, uma vida. No DIÁRIO DE NOTÍCIAS, não foi diferente. Em A TARDE, persistiram esta preocupação e este compromisso de solidariedade do jornalista, sem qualquer vínculo político-partidário, agora com as vantagens da experiência adquirida, reconhecida pela Associação Baiana de imprensa, que me conferiu alguns prêmios de reportagem sobre a seca.

As estradas e a insegurança

A persistente precariedade da malha rodoviária do Nordeste baiano foi sempre mostrada em reportagens, com destaque para as BAs 305, 220 e 210 e para as BRs 110, 116, 410 e 235, incluindo a cobertura dos protestos contra as deficiências do DERBA e do DNER, registradas igualmente as suas realizações.
A falta de segurança foi outro problema a que A TARDE dedicou suas atenções, através não só deste correspondente como de enviados especiais, prática também usada para a cobertura de outros assuntos, sempre que necessário.
Daqui, darei um pulo ao tema proposto pela APSB: Chesf/Sudene/Desenvolvimento do Nordeste. Lembrando antes que está na hora de mudar esta rotina humilhante de carros-pipa e de cesta básica, com rótulos diferentes, nesta que foi a primeira seca sem Sudene, mas no mesmo sentido da esmola que fere a dignidade do sertanejo.

Alves de Souza, Carioca Nordestino

De Paulo Afonso, matriz energética do Nordeste, pode sair o movimento com dois objetivos conjugados: a sede da Companhia de Energia e Desenvolvimento Hídrico do Nordeste, a SUDENE das Águas, em Paulo Afonso, portanto também matriz do desenvolvimento hídrico do Sertão Baiano; e a Sudene propriamente dita, recriada, por exigência da cidadania nordestina, manifestada hoje, em Glória, capital do Sertão Baiano por 24 horas.
Para fazer da nova Chesf e da Sudene recriada os instrumentos efetivos de promoção do desenvolvimento de todo o Semi-Árido, não mais excluído o Sertão Baiano, através, principalmente, de entidades como o Instituto Xingó, a Embrapa e as universidades.
Acho oportuno lembrar, até como uma homenagem à sua memória, as palavras do primeiro presidente da Chesf, Antonio José Alves de Souza, no Capítulo XII do livro de Paulo Afonso, editado em 1956:
“Os estudos necessários à constatação da possibilidade real de se estabelecerem indústrias, assim como outras atividades econômicas, nesta região, e as providências que devessem ser tomadas em consequência dos resultados desses estudos, foi o que a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco solicitou fosse feito, oportunamente, visto não estarem eles dentro de sua alçada, nem dentro de suas possibilidades financeiras. Infelizmente não foi levado na devida consideração tal pedido”.
Como não estão sendo levadas “na devida consideração” as reivindicações de Paulo Afonso e região, ainda fora, decorridas mais de quatro décadas, do processo de industrialização do estado da Bahia, concentrado na Região Metropolitana de Salvador e seu entorno. O Projeto de Piscicultura São Francisco, da MPE/ATT é uma luz no fim deste túnel da discriminação. Afinal, os nossos lagos não podem ser transferidos para outras regiões, como o foram projetos como o da Schincariol, dentre outros.
A mudança deste quadro é uma tarefa que pode e deve ser assumida pela APSB. O debate aberto sobre a proposta de cisão da Chesf, anunciada pelo presidente Fernando Henrique no dia 8 de janeiro, e tão bem analisada pelo deputado federal e ex-presidente da Chesf, José Carlos Aleluia, antes deste meu depoimento, deve não apenas enfatizar o papel que a nova Chesf tem de desempenhar no Nordeste e no Sertão Baiano em particular, incluída a perenização do Rio Vaza Barrís, repetindo-se o que foi feito no Rio Itapicuru. Este debate deve suscitar também a necessidade de recriação da Sudene. Sabe-se que, entre as sugestões do PSDB Pernambuco a José Serra, para inclusão no seu programa de candidato à Presidência, está a recriação da Sudene. Que os baianos de todos os partidos tomem iniciativa. Há quem garanta, aliás, que ela será recriada de qualquer jeito, não importando o resultado da eleição presidencial. Isso porque é campanha de Lula e Ciro; Roseana não tem motivo para ficar contra; Garotinho é do PSB, partido com raízes em Pernambuco; e José Serra abraça a causa da Sudene.
Próxima a completar um ano de fundação, a APSB pode ser a mobilizadora desta dupla causa, a sede da nova Chesf em Paulo Afonso e a recriação da Sudene.
Vou encerrar este depoimento, lembrando uma frase de Simões Filho, o fundador, há 90 anos, de A TARDE. No auge de uma das muitas campanhas, a que deu o calor de seu entusiasmo e o sentimento de sua baianidade, foi alvo da manifestação de um popular:
- Morra Simões Filho.
E ele, com serena altivez, consciente de que as pessoas passam, por mais poderosas que sejam, respondeu apenas:
- Morra Simões Filho. Mas Viva a Bahia.
Viva a Bahia e Viva o sertão Baiano, este pedaço do território do estado que é nosso patrimônio e fonte de inspiração para as nossas lutas por uma vida melhor para o seu povo.

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