sábado, 30 de agosto de 2008

A briga de ACM com o Jornal da Bahia


Termino hoje a transcrição de respostas a Glenda Lima, Lidiane Maria, Flávia Passos e Aline de Santana, estudantes de jornalismo da FIB Salvador, que me entrevistaram pela internet sobre a briga de Antonio Carlos Magalhães com o matutino Jornal da Bahia.

– O objetivo existencial de ACM foi conquistar a hegemonia do poder político na Bahia como meio de assumir o papel de líder nacional, chegando, ele próprio, à Presidência da República, e/ou através do seu filho Luiz Eduardo Magalhães. Fechar o Jornal da Bahia para ele não passava de um simples acidente de percurso. Para alcançar sua meta maior, ele aproveitou ao máximo as oportunidades. A primeira delas, de maior expressão, foi o governo do município de Salvador, como prefeito, no varejo e no atacado, de eficiência administrativa até hoje não superada. Do asfaltamento de ruas e becos no Bairro da Liberdade às avenidas de Vale, que livraram a capital de infarto precoce. No âmbito metropolitano, a ação do prefeito completou-se na ação do governador que cuidou da cidade antiga, restaurando o Pelourinho, e da fixação de um novo pólo urbano, com a transferência e centralização dos serviços de administração pública, fora e ao norte desta cidade antiga. Coube, na verdade, ao Centro Administrativo da Bahia, com sua influência polarizadora, orientar e disciplinar uma expansão urbana, de escala metropolitana, que assegurou o zoneamento residencial, comercial e industrial, e preservou áreas verdes, em defesa, presente e futura, do acervo histórico e artístico de Salvador.

O pragmatismo como regra

Para otimização dos resultados políticos dessas realizações, em benefício do fortalecimento de sua liderança em ascensão, o pragmatismo de ACM não tergiversava diante de obstáculos. As hostilidades contra o JBa e outros órgãos de imprensa (a Tribuna da Bahia, por exemplo, e mesmo A Tarde) estavam na mesma linha das desferidas contra Lomanto Júnior, que saiu com alto índice de popularidade do governo estadual, Luiz Viana Filho, muito influente na cúpula do poder e um administrador que teve preocupação prioritária com o planejamento, Roberto Santos, que demonstrou visão e capacidade administrativa como governador, além do espírito de independência, e mesmo Juracy Magalhães, voltamos a repetir, seu criador até certo ponto e... pai de Jutahy Júnior, que poderia vir a competir com ele (Afora outros menos cotados, vizinhos do baixo clero. Sem esquecer a reação contra o até então todo poderoso ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Matos, no episódio vinculado à sucessão do general João Batista Figueiredo. Foi esta reação que, tirando da cena política um dos principais pilares da candidatura Paulo Maluf e consolidando o nome de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. A gratidão de Tancredo manifestou-se na escolha de ACM para o Ministério das Comunicações, mantida por José Sarney. Este foi o caminho aberto para o império de Antonio Carlos baseado na Rede Bahia de Televisão.

Dependência da publicidade oficial

- Ainda como resposta: ACM, mais do que ninguém, sabia das fragilidades de uma empresa jornalística, agravadas pelas incertezas de um regime militar que tratava com rédea curta as redações. Fragilidades que podiam ser resumidas numa só, a dependência de publicidade oficial e/ou, no caso da Bahia, de um empresariado também muito dependente dos governos como seu mais forte cliente e parceiro (... ou adversário). Assim se compreende o boicote de ACM ao JBa, com “a retirada dos anúncios da prefeitura e a pressão indireta e direta que ele fez igualmente para as empresas privadas deixarem de anunciar no Jornal da Bahia”. Tal como V. menciona na pergunta e João Falcão deixou registrado no seu livro “Não Deixe Essa Chama se Apagar”.
Em outro parêntese, esclareço que, em 1960, após menos de um ano de admitido, pedi demissão do JBa e a dispensa de aviso prévio, por motivos que relato em “A Crônica de Minha Aldeia”.

– Pelo que me lembro, não houve manifestações da imprensa baiana, o que se explica talvez pela natureza do boicote traduzido na privação de publicidade.

Diário de Notícias não se beneficiou

– Posso responder, quanto ao Diário de Notícias, que não se beneficiou com as adversidades do Jornal da Bahia. O DN teve as suas próprias adversidades, decorrentes das próprias falhas de gestão das Emissoras e Diários Associados (Na Bahia, além do próprio DN, matutino, o Estado da Bahia, vespertino, a Rádio Sociedade – a famosa PRA4 – e a TV Itapoan). As Organizações Globo edificaram-se sobre os escombros dos Associados, que tentaram sobreviver através do Condomínio Acionário fundado por Assis Chateaubriand, mas receberam golpe fatal do Acordo Time-Life, com a ajuda decisiva do governo Castelo Branco, no regime militar.

– Quanto à participação do ex-prefeito de Salvador, Mário Kertész, no fim do Jornal da Bahia, acho que, ainda que quisesse, não tinha autonomia política para divergir de Antonio Carlos Magalhães naquele momento de sua vida pública.

– Quando fundado, o Jornal da Bahia contou com uma equipe de jornalistas dos melhores da época, encabeçada por João Batista de Lima e Silva, sergipano de larga vivência política, que chegou a ser dirigente com muita influência no Partido Comunista do Brasil, tendo participado do movimento dissidente liderado por João Amazonas. Intelectual de estatura acima da média, tinha um texto simples, objetivo e castiço, e sabia transmitir, com poucas palavras e muita humildade, lições aos que com ele trabalhavam. Devo-lhe muito. Não sei dizer a você como funcionaria hoje aquela redação.

Como os jornais fecham ou sobrevivem

– Se eu fosse escrever história sobre jornalismo, preferiria contar minha experiência no Diário de Notícias. Mas, num texto sobre o JBa, colocaria títulos com duas variantes: “JBa morreu por falta de leitores” / “JBa sobreviveu pela força dos seus leitores e de anunciantes sem subserviência a governos”. Estou convencido de que os jornais, adaptados a esses tempos de internet e inovações tecnológicas que não param, em termos editoriais têm muito a aprender, por exemplo, com a revista Veja.

- Os Diários Associados, ou melhor, as Emissoras e Diários Associados não se beneficiaram com o que aconteceu com o Jornal da Bahia. No máximo, algumas das empresas que deixaram de anunciar no JBa continuaram anunciando, por exemplo, no Diário de Notícias. Os Associados, ali compreendidos os jornais Diário de Notícias, matutino, e Estado da Bahia, vespertino, a Rádio Sociedade da Bahia (PRA-4) e a TV Itapoan, a primeira do Estado, enfrentavam as conseqüências do crescimento das Organizações Globo, por obra e graça do Acordo Time-Life, encabeçando a “invasão estrangeira” nos meios de comunicação do país, denunciada pelo jornalista João Calmon, e da ajuda do governo Castelo Branco (Este marechal se tornou um desafeto de Assis Chateaubriand, fundador dos Associados e do Condomínio Acionário). Atribui-se ACM a interferência na compra, por Pedro Irujo, empresário e também político, da Rádio Sociedade e da TV Itapoan. De certa forma, o DN foi uma vítima do fogo amigo de ACM. Em vez de adquiri-lo, Antonio Carlos deve ter preferido uma marca nova, o Correio da Bahia. Sempre admiti que os sucessos do Correio dependem e dependerão sempre dos insucessos políticos do carlismo, fugindo assim à condição de chapa branca. Na oposição, pode crescer. Diria que o CB leva jeito. Voltando ao JBa, o que aconteceu com ele refletiu falha comum à imprensa baiana e nordestina em geral. Falta de leitores conjugada com dependência de publicidade oficial, num mercado, pelo menos à época do boicote de ACM ao Jornal da Bahia, com as limitações de empresas privadas também dependentes dos governos, para ganhar licitações e sobreviverem.


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