sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A briga de ACM com o Jornal da Bahia



Inicio hoje respostas a estudantes de jornalismo da FIB 4º semestre, a propósito dos desentendimentos entre Antonio Carlos Magalhães e o Jornal da Bahia.

As desavenças com o Jornal da Bahia começaram por desentendimento pessoal entre o prefeito Antonio Carlos Magalhães, indicado para o cargo em 1967, e o redator chefe do matutino, João Carlos Teixeira Gomes, o Joca, em seguida a sua nomeação para a Superintendência de Turismo de Salvador (Sutursa). Suponho que, com este aproveitamento, ACM, preparando a arrancada de sua carreira política, imaginou conseguir exercer algum tipo de influência sobre a redação do JBa (para diferenciar JB, Jornal do Brasil) então chefiada por Joca. Por sua formação moral e profissional, é claro que ele jamais concordaria com essa mistura de estações, e deu no que deu. O domínio dos meios de comunicação foi uma obsessão ostensiva de ACM, que tinha sido pouco mais do que um foca no vespertino Estado da Bahia, das Emissoras e Diários Associados, embora se haja transformado em amigo fraternal do jornalista Odorico Tavares, diretor geral da empresa na Bahia (Quando governador, ACM o homenageou com seu nome na escola estadual localizada no Corredor da Vitória). Vale ressaltar que ACM sabia como ninguém fazer amizades, tinha uma personalidade muito envolvente. Esta foi a chave principal do seu sucesso no mundo da política. Desde o reitor Edgar Santos, que ele insinuava considerá-lo mais filho do que o filho biológico, Roberto Santos, isso naturalmente pra provocar, como era do seu feitio, o ex-governador ou “o professor”, como preferia tratá-lo, insinuando com malícia sua inadequação ao figurino político. Destaque também para o seu relacionamento de muita intimidade com JK ou para o estímulo e apoio que recebeu de Juracy Magalhães, num jogo inicial de criador e criatura, ajudado pela coincidência do mesmo sobrenome. Esta mesma capacidade de fazer amigos ele transferia para o ataque a quem achasse que contrariasse seus interesses, quer se tratasse de político, empresário ou jornalista.

Dois episódios

Como exemplo, cito dois episódios com Juracy Magalhães. Quando este era ministro de Relações Exteriores no governo Castelo Branco, o ex-governador baiano foi alvo de violentas manifestações estudantis em frente à Reitoria da UFBA. Na época, o pai de ACM, Magalhães Neto, era o presidente do Conselho Universitário. No final da tarde, Antonio Carlos apareceu meio transtornado no Diário de Notícias e me pediu (eu era o chefe de redação) para ler a nota dos conselheiros. Na medida que ia lendo o texto, seu rosto ia ficando mais vermelho e os sinais de indignação apareciam mais visíveis na face transtornada. “Isto é nota de PSD (Partido Social Democrático)”, declarou, continuando com uma série de impropérios. Pediu-me para telefonar ao seu pai, Magalhães Neto, que era o presidente do Conselho. Para evitar constrangimento maior, diante de repórteres assustados na pequena redação do DN, convidei-o a subir até o gabinete de Odorico Tavares, que estava ausente, e daí ele telefonou, em termos que reproduzo no livro “A Crônica de Minha Aldeia”, que pretendo lançar no início do segundo semestre de 2010. A esta reação de solidariedade a Juracy, e de hostilidade ao próprio pai, anos mais tarde passaria a ataques contra a honra do general. O empresário Clemente Mariani, que foi ministro da Educação no governo do marechal Eurico Gaspar Dutra, sentiu o peso de contrariar ACM no caso que envolveu o Banco da Bahia e o Banco Econômico. Antonio Carlos Magalhães chegou a assinar decreto de desapropriação da mansão dos Mariani na Ladeira da Barra para instalar nela uma creche... Como se vê, não é de estranhar o comportamento de ACM contra o intrépido Joca.

Um parêntese

Abro um parêntese para dizer que fui mais prevenido do que Joca. Na mesma época, ACM parou o carro oficial em frente à sede dos Associados, à Rua Carlos Gomes, e me mandou chamar por um contínuo. Pediu que eu entrasse no carro e ordenou o motorista a dar uma volta, em roteiro que se prolongou até os Aflitos, na Travessa Horácio Cesar, por onde foi feito retorno, pela Avenida Sete até o ponto de partida. A conversa principiou com alguns agradecimentos, talvez pela ação que teve o DN no movimento que provocou a queda do prefeito Nelson Oliveira, ex-integralista, que o regime militar na Bahia quis improvisar em prefeito de Salvador (Esta é outra história de minha Crônica). Em seguida, fez o convite para que eu escolhesse o cargo que quisesse ocupar na prefeitura. Pedi 24 horas para pensar. No dia seguinte, após agradecer, sugeri o nome de um colega para trabalhar na Sutursa. Devo dizer que ACM jamais interferiu no meu trabalho de chefe de redação, onde gozava de plena autonomia, graças a uma longa convivência com o diretor geral Odorico Tavares. Mais adiante, em julho de 1970, em outro contexto de decadência dos Associados, ACM, já escolhido governador do Estado me chamou, por telefone, ao seu escritório na Rua Carlos Gomes, bem próximo à redação do DN, para ser “o meu vereador”. A esta altura, o Diário de Notícias já estava perto do fim. Fui eleito, pela Arena, como o terceiro candidato mais votado em Salvador, e reeleito em 1972, aí já praticamente sem o seu apoio, vindo a romper com ele, no segundo mandato (janeiro de 1973 janeiro de 1977), depois de pronunciamento na tribuna da Câmara Municipal, e apesar de apelos do então prefeito Clériston Andrade (Este episódio, dentre outros na minha curta passagem pela política, também vai contado em A Crônica).

2 comentários:

Anônimo disse...

Os alunos do 4º semestre de Jornalismo da FIB agradecem ao senhor pela paciência e boa vontade em explicar o assunto.

Muito obrigada.

Alexandre Figueiredo disse...

Não sejamos ingênuos, no entanto, com uma parte do episódio do Jornal da Bahia que, infelizmente, não está descrito nesses dois livros. A história que Falcão e Joca contaram está incompleta, por culpa deles.

Quando o Jornal da Bahia teve sua última intervenção, através do ex-prefeito de Salvador Mário Kertèsz (hoje se passando por "radiojornalista" esbanjando prepotência e demagogia), este era ligado a ACM, tanto que o conhecido "Toninho Malvadeza" queria lançar o hoje dono da Rádio Metrópole para o governo do Estado. Mas, no meio do caminho, um jornalista chamado Fernando Conceição, um ativista social dos bons, descobriu falcatruas de Kertèsz na prefeitura de Salvador que comprometeram politicamente o ex-prefeito (que começou sua política na ARENA - aviso para quem pensava que o dono da Rádio Metrópole era "esquerdista").

A influência de Kertèsz no Jornal da Bahia foi subestimada, já que sua gravidade é a mesma de ACM. ACM foi o mandante, Kertèsz foi o executor do golpe mortal contra o JBa.

Não é difícil observar isso. Em 1990, com Kertèsz como interventor, o JBa se transformou num asqueroso jornal policialesco, encerrando definitivamente com o bom jornalismo, marca do JBa que nos revelou Glauber Rocha e João Ubaldo Ribeiro.

Em outras palavras, Kertèsz em nenhum momento pode ser poupado da decadência do Jornal da Bahia, porque foi justamente o hoje astro-rei da Rádio Metrópole que acabou com a "alma" do Jornal da Bahia, concretizando tudo aquilo que Antônio Carlos Magalhães lutou e não conseguiu realizar.