
Trata-se de uma idéia que nasceu e evolui na minha mente desde os anos 70 mas ganhou corpo de 2003 para cá. Entrevista de Contardo Calligaris (foto) à Primeira Leitura (Página 20, maio 2006), concedida a Reinaldo Azevedo, me pressionou a tratar logo do tema vulgaridade, tão incisivo na indicação do perfil do Brasil hoje (Contardo Calligaris é psicanalista, doutor em psicologia clínica e colunista da Folha de São Paulo. Italiano, hoje vive e clinica entre Nova York e São Paulo. Leitura obrigatória semanalmente na Folha de São Paulo e em A Tarde).
Os fascistas são vulgares
Quanto à entrevista, admira-se a lucidez e atualidade do entrevistado e reconhece-se que o entrevistador lhe deu tratamento à altura. Dela transcrevo o trecho que se segue:
“Um dia fui ver meu pai e o apostrofei vivamente dizendo: ‘Não entendo como é que você podia ser antifascista sem ser comunista’... E ele me disse algo que, à época, me indignou e que hoje acho completamente interessante: ‘No fundo, no fundo, eu era antifascista porque eu achava os fascistas tão vulgares!’ A resposta é maravilhosa!”.
Chega de mediocridade
Passei a considerar, nos dias de hoje, que vulgaridade é substantivo feminino sem a força de exprimir a futilidade do momento nacional. E então me lembrei do discurso de Jarbas Vasconcelos (foto), que nada tem de psicanalista, proferido no Senado em 24 de abril deste ano e divulgado com o título Abaixo a Mediocridade. Nele, o senador pernambucano, depois de reconhecer que o Governo Lula “manteve corretamente os pressupostos macroeconômicos traçados nos Governos Itamar Franco e Fernando Henrique”, acusou o Governo petista de ter se perdido “na hora de negociar a montagem da sua base de apoio no Congresso Nacional”.
Esse “atalho” para conseguir maioria parlamentar, denuncia, “foi o caminho mais curto para o escândalo do ‘mensalão’, no qual o apoio foi comprado como um pacote de manteiga no supermercado”.
Não resisto à tentação de transcrever alguns trechos mais exemplares do pronunciamento do ex-governador Jarbas Vasconcelos, para quem o “bom combate por parte da oposição é essencial para que o País não seja contaminado por essa praga da mediocridade”:
A cultura do aparelhamento escancarado
- Infelizmente, Senhor Presidente, não é isso que podemos vivenciar nos últimos anos. A verdade é que o País acumula resultados positivos na chamada macroeconomia, mas na política a marca principal tem sido a da mediocridade.
Nos dicionários da língua portuguesa, está escrito que medíocre é aquilo que está abaixo da média, no que toca a qualidade, originalidade; algo que é inexpressivo, ordinário, sem expressão ou originalidade; mediano, pobre, banal, passável.
Não é de surpreender que a política, em especial no Parlamento, passe por uma fase de tão baixo respaldo da opinião pública, pois os valores que deveriam nortear a prática política estão completamente desvirtuados.
Mente-se da forma mais descarada, sem qualquer sinal de timidez ou de vergonha. O cinismo e a desfaçatez estão se transformando em virtudes anunciadas. Manipula-se escancaradamente a verdade olhando nos olhos do manipulado. Tamanho desvio não pode resultar em coisa boa.
A metamorfose
A mediocridade campeia. O fato é desfavorável ao poderoso de plantão? Muda-se o fato.
Agressores se transformam em agredidos. Vítimas em criminosos.
Assina-se embaixo da máxima nazista de que uma mentira repetida mil vezes se transforma em verdade.
Não há respeito pela História; não há respeito pelo que veio antes; não há respeito pelo que herdamos de bom dos nossos antecessores. É o que existe de mais velho e retrógado, travestido de novidade. É a preferência pelo jogo do mais esperto; no qual a trapaça é a única forma de vencer.
Senhoras Senadoras, Senhores Senadores, tenho o maior respeito pela história de vida do Presidente da República. De identidade com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não guardo apenas o fato de termos nascido em terras de Pernambuco. Vai além disso.
Na década de 1970, estávamos – eu no MDB, ele no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo – lutando para que o Brasil voltasse a ser uma democracia. Sua atuação na hoje histórica greve dos metalúrgicos do ABC paulista terminou levando-o à prisão. Fui um dos primeiros integrantes da oposição a visitar Lula, após ele ser libertado, em 1980.
O preço do apoio
Nove anos depois, no segundo turno da eleição presidencial, voltamos a nos encontrar e apoiei sua candidatura. No entanto, em 2002, quando Lula finalmente venceu a disputa presidencial, eu estava no palanque oposto, do então Ex-Ministro José Serra.
Como Governador do Estado de Pernambuco, em segundo mandato, entre 2003 e 2006, mantive uma relação de respeito recíproco com o Presidente da República.
Quer seja no Recife ou aqui mesmo em Brasília, construímos um diálogo produtivo, que colocava os interesses do nosso Estado e do País acima das divergências partidárias.
Mas já no primeiro mandato, o Governo Lula dava sinais de que não saberia valorizar as duas agendas, a política e a econômica. Enquanto manteve corretamente os pressupostos macroeconômicos traçadas nos Governos Itamar Franco e Fernando Henrique, o Governo petista se perdeu na hora de negociar a montagem da sua base de apoio no Congresso Nacional.
Esse "atalho" para obter a maioria parlamentar foi o caminho mais curto para o escândalo do "mensalão", no qual o apoio parlamentar foi comprado como um pacote de manteiga no supermercado.
Mesmo não tendo votado em Lula e no PT, tinha a expectativa de que as coisas pudessem avançar; que a prática política entrasse numa nova fase. Que a nossa agenda democrática não sofresse solução de continuidade.
O que vimos, Senhor Presidente, foi o pior da política minúscula, da troca de apoio por recursos do Orçamento, por diretorias de empresas estatais. O que vimos foi o aparelhamento da máquina federal e a cooptação notória de entidades da chamada "sociedade civil".
Os sindicatos, as organizações não-governamentais, por exemplo, que deveriam ser a vanguarda da sociedade, foram transformados em meros instrumentos da manutenção do *statu quo*. Tudo muito bem azeitado pelo repasse de recursos públicos dos "companheiros" encastelados na máquina pública. A manipulação se transformou em regra de comportamento.
Mera coincidência?
Será que é mera coincidência que setores do PT voltem a defender um terceiro mandato para o Presidente da República, num momento no qual a imagem da atividade parlamentar está abaixo do nível do mar, quase sem forças para reagir?
Será que é mera coincidência que um grande empresário venha de público afirmar que um terceiro mandato representa a vontade da maioria?
Será que é mera coincidência o Presidente da República barrar a fiscalização da aplicação dos recursos repassados aos sindicatos?
Será que é mera coincidência que um ministro considere normal a montagem de dossiês contra adversários políticos?
Será que é mera coincidência que o sigilo bancário de um simples caseiro, que o sigilo de dados de um Ex-Presidente da República e de sua esposa e que o sigilo do descobrimento de um novo campo de petróleo venham à tona como se isso fosse normal?
A mediocridade campeia. Nada é coincidência. É tudo fruto do mesmo caldo medíocre, da cultura do aparelhamento escancarado do Poder Federal.
A lista de desvios ou desvarios é imensa. Precisaria de um dia inteiro para relacioná-los.
O título definitivo
A evolução dos acontecimentos soprará nos meus ouvidos o título definitivo do artigo e do ensaio. O primeiro sopro sugeriu Chega de Falta de Vergonha. Houve até um sopro indicando Chega de Sacanagem. Mas esta sugestão eu a repeli de pronto porque sou do tempo em que não se dizia palavrão em casa de família. Quanto mais na grande casa da família brasileira.
Os fascistas são vulgares
Quanto à entrevista, admira-se a lucidez e atualidade do entrevistado e reconhece-se que o entrevistador lhe deu tratamento à altura. Dela transcrevo o trecho que se segue:
“Um dia fui ver meu pai e o apostrofei vivamente dizendo: ‘Não entendo como é que você podia ser antifascista sem ser comunista’... E ele me disse algo que, à época, me indignou e que hoje acho completamente interessante: ‘No fundo, no fundo, eu era antifascista porque eu achava os fascistas tão vulgares!’ A resposta é maravilhosa!”.
Chega de mediocridade

Esse “atalho” para conseguir maioria parlamentar, denuncia, “foi o caminho mais curto para o escândalo do ‘mensalão’, no qual o apoio foi comprado como um pacote de manteiga no supermercado”.
Não resisto à tentação de transcrever alguns trechos mais exemplares do pronunciamento do ex-governador Jarbas Vasconcelos, para quem o “bom combate por parte da oposição é essencial para que o País não seja contaminado por essa praga da mediocridade”:
A cultura do aparelhamento escancarado
- Infelizmente, Senhor Presidente, não é isso que podemos vivenciar nos últimos anos. A verdade é que o País acumula resultados positivos na chamada macroeconomia, mas na política a marca principal tem sido a da mediocridade.
Nos dicionários da língua portuguesa, está escrito que medíocre é aquilo que está abaixo da média, no que toca a qualidade, originalidade; algo que é inexpressivo, ordinário, sem expressão ou originalidade; mediano, pobre, banal, passável.
Não é de surpreender que a política, em especial no Parlamento, passe por uma fase de tão baixo respaldo da opinião pública, pois os valores que deveriam nortear a prática política estão completamente desvirtuados.
Mente-se da forma mais descarada, sem qualquer sinal de timidez ou de vergonha. O cinismo e a desfaçatez estão se transformando em virtudes anunciadas. Manipula-se escancaradamente a verdade olhando nos olhos do manipulado. Tamanho desvio não pode resultar em coisa boa.
A metamorfose
A mediocridade campeia. O fato é desfavorável ao poderoso de plantão? Muda-se o fato.
Agressores se transformam em agredidos. Vítimas em criminosos.

Não há respeito pela História; não há respeito pelo que veio antes; não há respeito pelo que herdamos de bom dos nossos antecessores. É o que existe de mais velho e retrógado, travestido de novidade. É a preferência pelo jogo do mais esperto; no qual a trapaça é a única forma de vencer.
Senhoras Senadoras, Senhores Senadores, tenho o maior respeito pela história de vida do Presidente da República. De identidade com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não guardo apenas o fato de termos nascido em terras de Pernambuco. Vai além disso.
Na década de 1970, estávamos – eu no MDB, ele no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo – lutando para que o Brasil voltasse a ser uma democracia. Sua atuação na hoje histórica greve dos metalúrgicos do ABC paulista terminou levando-o à prisão. Fui um dos primeiros integrantes da oposição a visitar Lula, após ele ser libertado, em 1980.
O preço do apoio
Nove anos depois, no segundo turno da eleição presidencial, voltamos a nos encontrar e apoiei sua candidatura. No entanto, em 2002, quando Lula finalmente venceu a disputa presidencial, eu estava no palanque oposto, do então Ex-Ministro José Serra.
Como Governador do Estado de Pernambuco, em segundo mandato, entre 2003 e 2006, mantive uma relação de respeito recíproco com o Presidente da República.
Quer seja no Recife ou aqui mesmo em Brasília, construímos um diálogo produtivo, que colocava os interesses do nosso Estado e do País acima das divergências partidárias.
Mas já no primeiro mandato, o Governo Lula dava sinais de que não saberia valorizar as duas agendas, a política e a econômica. Enquanto manteve corretamente os pressupostos macroeconômicos traçadas nos Governos Itamar Franco e Fernando Henrique, o Governo petista se perdeu na hora de negociar a montagem da sua base de apoio no Congresso Nacional.
Esse "atalho" para obter a maioria parlamentar foi o caminho mais curto para o escândalo do "mensalão", no qual o apoio parlamentar foi comprado como um pacote de manteiga no supermercado.
Mesmo não tendo votado em Lula e no PT, tinha a expectativa de que as coisas pudessem avançar; que a prática política entrasse numa nova fase. Que a nossa agenda democrática não sofresse solução de continuidade.
O que vimos, Senhor Presidente, foi o pior da política minúscula, da troca de apoio por recursos do Orçamento, por diretorias de empresas estatais. O que vimos foi o aparelhamento da máquina federal e a cooptação notória de entidades da chamada "sociedade civil".
Os sindicatos, as organizações não-governamentais, por exemplo, que deveriam ser a vanguarda da sociedade, foram transformados em meros instrumentos da manutenção do *statu quo*. Tudo muito bem azeitado pelo repasse de recursos públicos dos "companheiros" encastelados na máquina pública. A manipulação se transformou em regra de comportamento.
Mera coincidência?
Será que é mera coincidência que setores do PT voltem a defender um terceiro mandato para o Presidente da República, num momento no qual a imagem da atividade parlamentar está abaixo do nível do mar, quase sem forças para reagir?
Será que é mera coincidência que um grande empresário venha de público afirmar que um terceiro mandato representa a vontade da maioria?
Será que é mera coincidência o Presidente da República barrar a fiscalização da aplicação dos recursos repassados aos sindicatos?
Será que é mera coincidência que um ministro considere normal a montagem de dossiês contra adversários políticos?
Será que é mera coincidência que o sigilo bancário de um simples caseiro, que o sigilo de dados de um Ex-Presidente da República e de sua esposa e que o sigilo do descobrimento de um novo campo de petróleo venham à tona como se isso fosse normal?
A mediocridade campeia. Nada é coincidência. É tudo fruto do mesmo caldo medíocre, da cultura do aparelhamento escancarado do Poder Federal.
A lista de desvios ou desvarios é imensa. Precisaria de um dia inteiro para relacioná-los.
O título definitivo
A evolução dos acontecimentos soprará nos meus ouvidos o título definitivo do artigo e do ensaio. O primeiro sopro sugeriu Chega de Falta de Vergonha. Houve até um sopro indicando Chega de Sacanagem. Mas esta sugestão eu a repeli de pronto porque sou do tempo em que não se dizia palavrão em casa de família. Quanto mais na grande casa da família brasileira.
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