“Inferno” e “Paraíso” outra vez?

Declaração do prefeito Raimundo Caíres ameaçando “bombardear com orações” os adversários me fez lembrar episódio ocorrido às vésperas das eleições de 1994. Esta declaração foi feita durante entrevista concedida, no final da primeira quinzena de março, à imprensa de Paulo Afonso. O equivalente da entrevista do prefeito, neste ano de eleição municipal, foi o folheto “Duas Maneiras de Organizar o Brasil”, supostamente inspirado no livro “Democratizar: Superar a Exclusão Social”, da CNBB, distribuído e comentado em igrejas de Paulo Afonso, nos idos de 1994.
À época, houve a tentativa de transformar-se a disputa eleitoral num verdadeiro juízo final, com benditos e malditos. Ou seja: céu reservado para os eleitores e candidatos do Projeto Socialista (ou Popular), encabeçados por Lula, e condenação ao inferno para os eleitores do Projeto Capitalista (ou Neoliberal), encabeçados por FHC. De esquerda, a ala dos bem-aventurados; de direita, a ala dos pecadores.
Então correspondente de A Tarde nesta região, escrevi o texto Em Paulo Afonso, a eleição tem o “inferno” e o “paraíso”, a partir do Evangelho de São Mateus, onde os velhos conceitos de direita e esquerda aparecem com sinais trocados: “Então o rei dirá aos que estiverem à sua direita: vinde, benditos do meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo;... Então dirá também aos que estiverem à esquerda: apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos;...”
E acrescentei outras citações de textos bíblicos que não ajudavam os teólogos do Projeto Popular: Lembrei, por exemplo, o capítulo 38, do Eclesiástico, na referência aos que “não se assentarão na cadeira do juiz”, embora sem eles (carpinteiros, ferreiros, oleiros...), que também “não entrarão nas assembléias”, não se possa edificar uma cidade (ainda segundo a Bíblia).

Deus tem mais o que fazer

Acossado por pequeno grupo de opositores, que levou à Câmara Municipal denúncia mal alinhavada contra a sua gestão, o prefeito comemorou a vitória, mais que previsível, e confirmada na votação, com fervor religioso que, em alguns momentos, e até pela barba franciscana, lembra Frei Damião: “A arma contra essas pessoas é a oração” / “Então, chega um momento em que o bem vence o mal. Foi ótima a vitória do bem sobre o mal.” / “Eu fico pensando como é que filhos de Deus, irmãos em Cristo, tem tanta maldade no coração” / “A gente tem é que orar muito por essas pessoas, para ver se Cristo penetra nelas, na mente e no coração” / “A gente tem que bombardear essas pessoas com orações” / “Por que ter medo? Quem tem Cristo no coração, por que temer? ” / “O Cristo não vai deixar que aconteça uma maldade dessas. Em nenhum momento, eu me abalei” / “Quem mais me conhece é o Deus, o nosso Pai. Ele não vai permitir que a maldade permaneça” / “ Deus é forte, prevaleceu a verdade sobre a mentira”.

Raimundo, Deus tem mais o que fazer. Não sobra tempo para interessar-se pelo seu destino político. Quanto ao seu filho Jesus, disse bem Carlos Drummond de Andrade: “Jesus já cansado de tanto pedido / dorme sonhando com outra humanidade”. E esta humanidade, com certeza, não é a de Paulo Afonso. No momento, pode ser até a do Rio de Janeiro, acossada pela dengue.

E o pior: O fogo eterno queima mesmo

E a pior noticia para os que ficam à esquerda, foi divulgada recentemente: o papa e um bispo da igreja anglicana estão reafirmando que o fogo eterno queima mesmo.
Para que não haja dúvidas, o capítulo 25 do Evangelho São Mateus, para dar um exemplo, é inequívoco: os colocados a esquerda de Deus, que não deram de beber a quem tem sede nem alimentaram quem teve fome, serão banidos “para o fogo eterno destinado ao demônio e seus anjos”.
Pela definição do bispo Wright, o céu é um lugar elevado, um paraíso espiritual no meio das nuvens. Os fieis não vão subir aos céus, garante Wright, é Jesus, aquele Jesus tão cansado de receber pedido, que descerá à Terra, unificada no plano divino, o paraíso que a humanidade perdeu por culpa de Adão e Eva.