
O protesto do bispo da Barra, Dom Luiz Flávio Cappio, contra a transposição do Rio São Francisco, levou o presidente Lula (dir.) a exibir seu lado coronel e o ministro da Integração (esq.) a revelar uma segunda identidade: Imperador Geddel Bonaparte.
Nunca, na história deste país, esteve tão na ordem do dia a famosa frase de Talleyrand, mais circulante nos meios diplomáticos: “A palavra foi dada ao homem para disfarçar o próprio pensamento”. O episódio do “jejum pela vida” e contra a transposição do Rio São Francisco, protagonizado por Dom Luiz Flávio Cappio, bispo da Barra, demonstrou isso.
O presidente Lula, no primeiro dia da segunda greve de fome do religioso: “Desta vez, não tem negociação. Prefiro ficar ao lado de 12 milhões de pessoas do que ao lado do bispo”.
Resposta de Dom Cappio: “Eu chamo esse discurso de propaganda enganosa. Essa água não é para 12 milhões de pessoas, é para pequenos grupos do capital. Até agora não tiveram coragem de assumir a verdade. Continuam com essa falácia, com essa propaganda falsa”.
O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, sobre a greve de fome: “Ao escolher o caminho de atentar contra a própria existência, na realidade o bispo atenta contra os princípios da Igreja, da qual ele é pastor”.
Resposta do Bispo, após recomendar a Geddel ler o Evangelho, para “conhecer um pouquinho mais a pessoa de Jesus Cristo e sua doutrina”: “No Evangelho de João, capitulo 10, versículo 10, Jesus disse que ele é o bom pastor, que veio para doar sua vida às suas ovelhas”.
A seguir, na íntegra, a Carta de Dom Cappio ao Povo do Nordeste:

Queridos Irmãos e Irmãs Nordestinos, do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Pernambuco,
Paz e Bem!
Quando encerrei o jejum de 11 dias em Cabrobó, há dois anos atrás, acreditei sinceramente que o governo federal cumpriria sua palavra empenhada no acordo que assinamos. Este acordo estabelecia um amplo, transparente e participativo debate nacional sobre o desenvolvimento do Semi-árido e da Bacia do São Francisco. Acreditávamos piamente que se esse debate fosse verdadeiro seriam esclarecidas as reais necessidades e potencialidades do Semi-árido, e ficaria evidente que a transposição não era necessária nem conveniente ao povo nem ao rio. As águas abundantes do semi-árido falariam por si. E os projetos alternativos existentes se imporiam, como as obras do Atlas Nordeste para o meio urbano e as experiências da ASA – Articulação do Semi-Árido - para o meio rural.
O governo não cumpriu o prometido, abortou o debate apenas iniciado, ganhou as eleições e colocou o Exército para começar as obras da transposição. Movimentos e entidades da sociedade organizada intensificaram as mobilizações e os protestos, mas o governo se fez de surdo. Diante disso, não me restou outra alternativa senão retomar o jejum e oração, como havia dito que faria se o acordo não fosse cumprido. Para isso escolhi a capela de São Francisco, em Sobradinho/BA, bem próximo da barragem de Sobradinho, que há 30 anos passou a ser o coração artificial do Rio São Francisco, um doente em estado terminal.
Sei que meu gesto causará estranheza e incompreensões em muitos de vocês. Não os culpo por isso. Há gerações vem sido dito a vocês que só a grande obra da transposição “resolve” a seca. Entre os maiores interessados nela estão pessoas que vocês bem conhecem, pois são as mesmas que há muitos anos dominam e exploram a região usando o discurso da seca para desviar dinheiro público e ganhar eleições.
A seca não é um problema que se resolve com grandes obras. Foram construídos 70 mil açudes no Semi-árido, com capacidade para 36 bilhões de metros cúbicos de água. Faltam as adutoras e canais que levem essa água a quem precisa. Muitas dessas obras estão paradas, como a reforma agrária que não anda. Levar maiores ou menores porções do São Francisco vai tornar cara toda essa água existente e estabelecer a cobrança pela água bruta em todo o Nordeste. O povo, principalmente das cidades, é quem vai subsidiar os usos econômicos, como a irrigação de frutas nobres, criação de camarão e produção de aço, destinadas à exportação. Assim já acontece com a energia, que é mais barata para as empresas e bem mais cara para nós. Essa é a verdadeira finalidade da transposição, escondida de vocês. Os canais passariam longe dos sertões mais secos, em direção de onde já tem água.
Portanto, não estou contra o sagrado direito de vocês à água. Muito pelo contrário, estou colocando minha vida em risco para que esse direito não seja mais uma vez manipulado, chantageado e desrespeitado, como sempre foi. Luto por soluções verdadeiras para a vida plena do povo sertanejo – isso tem sido minha vida de 33 anos como padre e bispo do sertão. É, pois, um gesto de amor à vida, à justiça e à igualdade que nunca reinaram no Semi-árido, seja aí, seja aqui no São Francisco, longe ou perto do rio.
Agora mesmo é grande o sofrimento do povo não muito distante do rio e do lago de Sobradinho que, em função da energia para um desenvolvimento contra o povo, está com apenas 14%. Um projeto de R$13 milhões que resolveria o abastecimento dos quatro municípios da borda do lago espera desde 2001 pelo interesse dos governantes...
O São Francisco precisa urgentemente de cuidados, não de mais um uso ganancioso que se soma aos muitos que lhe foram impostos e o estão destruindo. Como lhes disse da outra vez, fosse a transposição solução real para as dificuldades de água de vocês, eu estaria na linha de frente da luta de vocês por ela.
O que precisamos, não só no Nordeste, é construir uma nova mentalidade a respeito da água, combater o desperdício, valorizar cada gota disponível, para que não ela não falte à reprodução da vida, não só a humana. Precisamos repensar o que estamos fazendo dos bens da terra, repensar os rumos do Brasil e do mundo. Ou estaremos condenados à destruição de nossa casa e à nossa própria extinção, contra o Projeto de Deus.
Senhor, Deus da Vida, ajude-nos! “Para que todos tenham vida!” (João 10,10).
Recebam meu abraço e minha benção,
Dom Luiz Flávio Cappio, OFM.
Sobradinho/BA, 29 de novembro de 2007.
Atenção: Na próxima postagem, opinião deste blog sobre a polêmica em torno da transposição do Rio São Francisco.
Um comentário:
SOMENTE HOJE, DIA 06/06/08 FOI QUE DESCOBRI POR ACASO ESSE BLOG.
O fato é o seguinte: Se Juscelino ao invés de ter construido Brasilia e tivesse em seu lugar feito a transposição do Rio Saõ Francisnco, nem Padim Padre Cícero seria tão Santo como ele.
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